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Análise de Fatores Associados à Ulceração de Extremidades em Indivíduos Diabéticos com Neuropatia Periférica

A NEUROPATIA DIABÉTICA (ND) é comumente encontrada em indivíduos com diabetes mellitus (DM) tipo 1 ou 2 (1), afetando até 50% destes (2). Há heterogeneidade de formas e de manifestações clínicas da ND na dependência do segmento do sistema nervoso acometido. A ND sensório-motora simétrica distal é a forma mais freqüente, na qual há degeneração distal retrógrada e simétrica de nervo motor ou sensitivo. O comprometimento dos nervos motores dos membros inferiores no indivíduo diabético determina hipotrofia muscular, deformidades e pontos de pressão anormais; o comprometimento dos nervos sensitivos manifesta-se por distúrbios da sensibilidade nas extremidades podendo chegar à anestesia. Cerca da metade dos indivíduos com ND sensório-motora simétrica distal é assintomática mas mantém risco de lesão
insensível nos pés. A ND autonômica nas extremidades determina diminuição da função sudomotora, tornando o pé ressecado e vulnerável à ulceração. A complicação neuropática é preocupante pois, particularmente nos membros inferiores, pode causar úlceras plantares que, sem tratamento adequado, culminam com amputações. A úlcera no pé acomete 15% dos indivíduos diabéticos no decorrer de sua doença e mais de 80% das amputações são precedidas de úlcera (3,4).

Nos Estados Unidos, a metade das amputações de membros inferiores ocorre em indivíduos diabéticos (5). As amputações encurtam sua vida útil e reduzem consideravelmente a qualidade de vida, impondo pesado ônus aos familiares e ao sistema de saúde. A identificação de fatores de risco e o acompanhamento desses indivíduos podem evitar este desfecho.

O risco de ulceração ou amputação está aumentado em indivíduos do sexo masculino, com DM de longa duração e mal controlado. Úlcera e amputação de membro inferior em indivíduos diabéticos também associam-se à presença de aterosclerose.

Por ocasião do diagnóstico de DM, a doença arterialperiférica (DAP) já está presente em 8% deles; após 10 anos, a prevalência é de 15% e, após 20 anos, de 42%
(6). A claudicação intermitente, sintoma característico da DAP, pode estar ausente devido à concomitância com a ND. A pele dos pés sofre também com o comprometimento macrovascular, tornando-se fria, atrófica, com alteração de fâneros e sujeita a infecções fúngicas. A ulceração decorrente puramente da obstrução arterial pode ser diferenciada da neuropática considerando a história clínica (velocidade de instalação, presença de dor) e o exame físico (localização e aparência).

Porém, sabe-se que a DAP contribui para agravar as lesões neuropáticas pré-existentes em membros inferiores, uma vez que limita o acesso de células de defesa, o fornecimento de oxigênio e nutrientes, e o necessário aporte de antibióticos para a adequada cicatrização das mesmas.

Uma parcela de indivíduos comprovadamente neuropatas não desenvolve úlceras nos pés. Seria razoável supor que os indivíduos neuropatas também com DAP seriam mais susceptíveis à ocorrência de úlceras. O exame de Doppler tem sido recomendado para diagnóstico da DAP, por meio do cálculo do índice tornozelo-braquial (ITB). A indicação de obtenção do índice hálux-braquial está estabelecida no caso de valor não-interpretável de ITB (> 1,30).

Existem consistentes evidências de que a complicação neuropática pode ser prevenida em ambos os tipos de DM (7,8), justificando seu rastreamento. A perda de sensibilidade (fibras grossas) pode ser identificada pelo exame do monofilamento de 10 g aplicado na planta dos pés. Outro método usado para diagnóstico é o limiar de percepção vibratória (LPV), obtido por meio do bioestesiômetro, que fornece uma medida quantitativa da sensibilidade vibratória. Experiência do Reino Unido revelou que o
LPV, a partir de um nível de 25 volts, esteve associado a aumento no risco de úlcera, o que não ocorreu quando percebido com 15 volts ou menos (9). Outros estudos confirmaram o ponto de corte do LPV ≥ 25 volt como preditivo para ulceração do pé (10,11).

Cada aumento de 1 volt da LPV no nível basal de percepção do indivíduo associou-se a aumento de 5,6% no risco de úlcera (12).

O conhecimento sobre a fisiopatologia da ND e fatores de risco para úlcera do pé diabético é condição fundamental para que medidas de prevenção possam ser implantadas. À medida que indivíduos diabéticos têm vivido mais, estão mais expostos a esta complicação. Estimou-se que o risco de desenvolver úlceras nos pés em alguma época das suas vidas era de 15% (5), o que pode estar subestimado.

Este estudo analisou, em uma amostra de pacientes com ND sensório-motora simétrica distal do nosso meio, a hipótese de que a concomitância com DAP predispõe à ulceração do pé. Além da associação à DAP, investigou-se se marcadores inflamatórios subclínicos também se associariam a úlceras nos pés.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP. Os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido antes do início do estudo. Pacientes em acompanhamento no Centro de Diabetes desta Insti-tuição, que compareceram a consultas de rotina no período de junho de 2004 a julho de 2005, foram convidados a participar deste estudo. Aqueles com suspeita clínica de neuropatia ou alteração do exame de monofilamento foram encaminhados a um único examinador. De 60 indivíduos encaminhados, 32 preencheram os critérios de inclusão: portadores de DM do tipo 2 em tratamento medicamentoso, com idade ao diagnóstico ≥ 40 anos, de ambos os sexos, com alteração no exame de monofilamento segundo o Consenso Brasileiro de Complicações Crônicas da Sociedade Brasileira de Diabetes (13), que identifica neuropatia periférica (comprometimento de fibras grossas) pela presença pelo menos 2 pontos insensíveis ao exame de monofilamento de 10 g, que apresentasse ou não história — atual ou pregressa — de úlcera não-infectada em pés. Como critérios de exclusão considerou-se história atual ou prévia de etilismo, doenças auto-imunes, doenças inflamatórias agudas, doenças carenciais e endocrinológicas com manifestações neurológicas e corticoterapia. O uso de anti-inflamatórios não-hormonais não representou critério de exclusão.

Métodos

Os indivíduos foram estratificados em 2 grupos segundo a história ou presença de úlcera nas extremidades inferiores (planta dos pés e pododáctilos). Foram incluídos no grupo “com úlcera” aqueles que apresentavam úlcera ativa ou cicatrizada, ou que tiveram alguma amputação em membro inferior decorrente de complicações da úlcera. O grupo “sem úlcera” foi constituído por aqueles indivíduos que nunca tinham apresentado úlcera em pés. Foram coletados dados de história clínica detalhada, medicamentos em uso e realizado exame físico completo, incluindo os seguintes exames complementares:

Testes neurológicos

Os testes sensoriais foram realizados com o indivíduo deitado e relaxado, em local silencioso. Para indivíduos com amputações menores (pododáctilos, pé), a avaliação
neurológica restringiu-se às regiões disponíveis. No caso de amputações maiores (trans-tibial e trans-femoral), apenas o outro membro foi avaliado. Para cada modalidade de teste, inicialmente era realizado estímulo na mão do paciente para referência da sensação. Uma vez compreendida a técnica, era solicitado que fechasse os olhos e iniciava-se o teste nos membros inferiores. O monofilamento empregado foi o de 10 g (Semmes-Weinstein), aplicado a regiões plantares (cabeças,metatarsos e pododáctilos), perpendicularmente à pele, com força suficiente para causar seu encurvamento por um segundo. Considerou-se o exame do monofilamento alterado quando o indivíduo falhava em perceber 2 ou mais locais testados.

O limiar de percepção vibratória (LPV) foi obtido por meio do biotesiômerto (Biothesiometer, Biomedical Instruments, Newbury, Ohio). O aparelho era aplicado ao hálux e maléolo medial de ambos os membros; a voltagem era gradualmente aumentada (escala de 0 a 50) e o valor considerado era aquele no qual o indivíduo sentia a vibração.

Foram obtidas 3 leituras em cada local e calculada a média em cada membro. Indivíduos incapazes de sentir o estímulo receberam o valor de LPV de 51. O maior valor da média entre os 2 membros foi utilizado para a análise. A sensibilidade dolorosa foi pesquisada com palito de madeira pontiagudo, pressionado no dorso do hálux direito e esquerdo.

A pior resposta dos membros foi considerada para a análise. O mesmo ocorreu quando da avaliação dos reflexos aquileue patelar em ambos os membros.

Avaliação arterial de membros inferiores por Doppler

Após repouso de 10 minutos, medidas das pressões sistólicas das artérias braquiais de ambos os membros eram aferidas com o auxílio de um transdutor de 8 MHz (Parks Medical Eletronics, Aloha, OR, USA), adotando-se a maior medida como referência. Posteriormente, eram aferidas as pressões sistólicas das artérias pediosa dorsal e tibial de ambos os membros, novamente adotando-se a maior medida em cada membro (14).

O índice tornozelo-braquial (ITB) em cada membro foi calculado através da medida da maior pressão aferida no tornozelo pela maior pressão em membro superior. Além deste índice, a presença de arteriopatia obstrutiva foi investigada pela medida de pressão sistólica em hálux, utilizando-se manguito de 2,5 cm (peniano). Para cálculo do índice hálux-braquial adotouse a maior medida da pressão dos braços (14).

Exames laboratoriais e métodos analíticos

Os indivíduos foram submetidos às coletas de sangue em jejum para dosagens de glicemia, hemoglobina glicada (HbA1c), colesterol total e frações, triglicérides, creatinina e marcadores inflamatórios (proteína C reativa – PCR,interleucinas – IL e fator de necrose tumoral alfa – TNF-α).

Também foram coletadas pelo menos 2 amostras de urina de 12 horas noturnas para determinação da excreção urinária de albumina. Os participantes foram examinados por oftalmologistas para diagnóstico de retinopatia.

As análises bioquímicas foram realizadas no Laboratório Central da UNIFESP. A glicose plasmática foi determinada por kit colorimétrico, utilizando o método da
glicose-oxidase e as concentrações séricas de colesterol por kits enzimáticos. Os valores de VLDL e LDL-colesterol foram determinados a partir dos valores dosados de
colesterol total, HDL e triglicérides com a fórmula de Friedwald. A creatinina sérica foi medida pela reação de Jaffé.

A HbA1c, determinada pelo método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC A1c 2.2 – TOSOH;valor de referência para adultos < 7,0%). A PCR ultrassensível foi determinada por ELISA (DSL, Webster,TX, USA); a IL-6, IL-10 e o TNF-α foram dosados por kit comercial (Lincoplex Cytokine Analytes, Linco Reseach,Missouri, USA). Critérios diagnósticos Os critérios diagnósticos para macroangiopatia foram história prévia de infarto do miocárdio, angina confirmada por alterações eletrocardiográficas compatíveis com isquemi miocárdica, necessidade de revascularização ou angioplastia, acidente vascular cerebral ou um valor de ITB ≤ 0,90 em qualquer dos membros (14). O diagnóstico das complicações microvasculares baseou-se na fundoscopia e excreção urinária de albumina. Considerou-se portador de retinopatia, indivíduo cujo exame de fundo de olho mostrava alterações compatíveis com retinopatia proliferativa ou não-proliferativa. Nefropatia diabética foi diagnosticada pela presença de albumina > 20 µg/min, em pelo menos 2 amostras de urina.

Os critérios diagnósticos para dislipidemia basearamse no National Cholesterol Education Program. Desta forma,considerou-se dislipidemia, níveis séricos de colesterol total
≥ 200 mg/dL, LDL ≥ 130 mg/dL, triglicérides ≥ 150 mg/dL ou indivíduos em uso de hipolipemiantes.

Hipertensão arterial foi definida por pressão arterial sistólica ou diastólica ≥ 140 x 90 mmHg ou uso de anti-hipertensivos(16).

Análise estatística

Variáveis numéricas de interesse foram comparadas pelo teste t de Student para as amostras independentes. Quando não apresentavam distribuição normal foi utilizada a
transformação logarítmica. Em se tratando de variáveis categóricas, foram empregados o teste de qui-quadrado ou exato de Fisher. Para comparar os dois índices — ITB e
hálux-braquial — quanto à proporção de resultados alterados, empregou-se o teste de homogeneidade marginal.

A correlação entre variáveis foi testada pelo coeficiente de Pearson. O nível de significância foi fixado em p < 0,05. RESULTADOS A casuística foi composta de 32 indivíduos diabéticos neuropatas, sendo 18 portadores de úlcera atual ou pregressa. Os grupos estratificados pela presença de úlcera foram semelhantes quanto à distribuição dos sexos, tendo havido predominância do sexo masculino em ambos os grupos (tabela 1). A idade variou entre 41 e 74 anos, não havendo diferença nas médias entre os grupos com e sem úlcera; também não houve diferença quanto ao tempo de diagnóstico de DM. A média da altura dos indivíduos do grupo com úlcera foi significantemente mais elevada do que aquele sem úlcera (1,70 ± 0,06 vs. 1,63 ± 0,11 m; p = 0,044); porém, os grupos não diferiram quanto ao índice de massa corporal, circunferência abdominal, pressão arterial sistólica e diastólica. As freqüências de hipertensão arterial (81,2%) e dislipidemia (81,2%) do total de 32 indivíduos estudados foram altas, mas tais percentuais não foram diferentes entre os subgrupos. Cerca de 56% e 50% nos grupos com e sem úlcera, respectivamente, faziam uso de estatinas e um paciente

parâmetro (p = 0,030) (tabela 3). O teste de homogeneidade marginal revelou que as proporções de resultados alterados pelo ITB e índice háluxbraquial foram, de fato, discordantes (p = 0,034).

As freqüências de nefropatia, retinopatia e macroangiopatia foram elevadas em ambos os grupos,com valores sempre maiores, embora não estatisticamente diferente, no grupo com úlcera (figura 1).
As concentrações plasmáticas de glicose em jejum entre os grupos não foram diferentes, embora a média de HbA1c no grupo com úlcera tenha sido
estatisticamente menor (8,3 ± 1,5 vs. 10,3 ± 2,1%; p – 0,016) (tabela 3). Comportamento semelhante deste grupo foi observado em relação às concentrações de
colesterol total (199,9 ± 37,9 vs. 240,3 ± 57,8 mg/dL; p = 0,038). Porém, os grupos não diferiram quanto aos valores médios de LDL-c, HDL-c, triglicérides, creatinina e marcadores inflamatórios (PCR, IL-6, IL-10 e TNF-α).

Não foram observadas correlações significantes entre as variáveis LPV no hálux e ITB direito (r = -0,148, IC95% 0,513–0,262) e ITB esquerdo (r = -0,058, IC95% -0,436–0,336).

DISCUSSÃO

O presente estudo enfocou a ND sensório-motora simétrica distal, complicação de elevada prevalência e o mais importante fator de risco para úlceras plantares
em indivíduos com DM (17,18). A observação de que a ocorrência de ND é bem mais freqüente (50%) (2) que a de úlcera (15%) no DM (5) sugere que um
subgrupo dos indivíduos diabéticos apresente fatores que os tornam mais predisponentes à ulceração. Fatores associados à presença ou história de úlcera foram
identificados neste estudo. A hipótese de que a DAP representaria um destes fatores é sugerida, embora limitações relativas ao delineamento do estudo e tamanho da amostra não permitem afirmar tal possibilidade.

Os achados no grupo de pacientes com úlcera, comparados ao sem úlcera, de maiores valores médios de estatura e LPV e pior resposta do reflexo patelar eram esperados. Outros autores já haviam encontrado que indivíduos mais altos com nervos mais longos apresentam maior risco de desenvolver ND sensóriomotora simétrica distal (19). Na mesma linha, posteriormente, o Seattle Diabetic Foot Study encontrou, entre os mais altos, associação com a presença de úlcera (5). Alterações do LVP e reflexo patelar — compatíveis com lesão sensitiva e motora, respectivamente — mais freqüentes nos ulcerados são favoráveis à participação causal desta forma de ND no aparecimento de úlcera. O LPV, sensível para diagnóstico de neuropatia leve e subclínica (20), já tinha sido apontado por Boulton e cols. (21) como preditivo
de risco de ulceração. No Multicenter Study of the Incidence of Predictive Risk Factors for Diabetic Neuropathic Foot Ulceration, a incidência anual da primeira úlcera no pé em indivíduos com ND foi elevada, da ordem de 7,2% (12). Os autores observaram que a cada aumento de 1 volt no LPV o risco da primeira úlcera no pé se elevava em 5,6%. Incorrporando o LPV na prática clínica, pode haver considerável melhora no diagnóstico de pacientes com ND, o que minimizaria as chances de ulceração, reduzindo, conseqüentemente, os custos desta complicação (22).

O comprometimento de reflexos ocorre com a evolução da ND sensório-motora simétrica distal, sendo que em membros inferiores o aquileu é o mais precocemente acometido. Em nosso estudo, esse reflexo não serviu para diferenciar os grupos com e sem úlcera. Este fato pode ser atribuído ao tamanho da amostra, relativamente pequeno, e ao grande número de participantes com estágio avançado de ND, acompanhados em um centro de referência para atendimento de pacientes com DM. Ambos os grupos apresentaram com elevadas freqüências de resposta anormal do reflexo aquileu. Porém, a perda do reflexo patelar, que ocorre posteriormente na história natural
desta complicação, foi mais freqüente no grupo com úlcera, reforçando a hipótese de apresentarem quadro neuropático de maior gravidade.

Neste estudo, comprovou-se a associação entre as complicações neuropática e microvasculares do DM previamente descrita (1,24). A maioria dos indivíduos aqui avaliados apresentava retinopatia e nefropatia, com predominância no grupo com úlcera. Importantes estudos prospectivos envolvendo indivíduos com DM tipo 1 (7) e tipo 2 (8) confirmam a relação causal entre controle glicêmico precário e surgimento de complicações microvasculares e neuropáticas. Encontraram correlação direta do nível de hemoglobina glicada e o risco destas complicações (25). Contrariamente, em nosso estudo, o grupo de pacientes com úlcera apresentou menor valor de hemoglobina glicada que o grupo sem úlcera. Este achado inesperado deve provavelmente ser decorrente do fato de esses indivíduos apresentarem quadro mais grave de ND, que necessitaram acompanhamento clínico mais próximo, para cuidados com a úlcera.

Os marcadores de inflamação subclínica têm sido empregados para complementar a avaliação do risco de complicações macrovasculares. Apesar de não serem dotados da mesma capacidade preditiva de eventos que os clássicos fatores de risco cardiovascular, auxiliam na identificação de subgrupos de pacientes. Particularmente em indivíduos neuropatas, até onde conhecemos não está documentada associação destes com úlcera não-infectada de extremidades.

Estudos in vitro investigaram a participação de citocinas na ND, porém buscando conhecer a fisiopatologia da dor neuropática (27,28). Estudos clínicos preliminares revelam concentrações de marcadores inflamatórios (IL-6 e PCR) marcadamente elevadas em quadros agudos de úlcera de indivíduos diabéticos (29,30), havendo relação direta destes marcadores com a extensão da lesão e a gravidade da infecção. Particularmente em indivíduos neuropatas, não está documentada associação destes marcadores com risco de úlcera. O presente estudo investigou se em indivíduos portadores de úlcera (atual nãoinfectada ou pregressa) configurar-se-ia um estado
inflamatório sub-clínico por meio das dosagens de PCR e interleucinas. Este achado poderia representar um elo fisiopatogênico entre as complicações neuropática e cardiovascular no indivíduo com DM.

De fato, o número de indivíduos com complicações macrovasculares foi mais elevado no grupo com úlcera, embora o limitado tamanho da amostra não tenha permitido comprovar diferença estatística. Desta forma, essa hipótese não encontra suporte em nossos dados, a qual requer ser re-examinada em casuísticas maiores e estudos prospectivos.
Na etiologia das úlceras de pé em indivíduos com DM, atribui-se 20% em decorrência exclusivamente da DAP, e o restante causado pela ND isolada (50%) ou em associação à DAP (30%). A DAP desempenha um papel importante na cicatrização de lesões e risco de amputação (4). Em nosso estudo, os parâmetros empregados para diagnóstico de comprometimento da circulação arterial nos membros inferiores foram o ITB e o índice hálux-braquial. O ITB, validado pela angiografia contrastada, apresenta alta sensibilidade e especificidade para detectar estenoses ≥ 50%, sendo recomendado pela comunidade científica para fins diagnósticos (14). Porém,
diante de artérias não-compressíveis em membros inferiores — como ocorre mais freqüentemente em pacientes diabéticos ou idosos devido à calcificação da parede arterial —, o ITB pode fornecer resultados nãointerpretáveis (14,29). Isso de fato ocorreu com 5 indivíduos da nossa amostra, que apresentaram ITB >1,30. Nestes casos tem sido sugerido o uso do índice hálux-braquial (14). Não foi propósito deste estudo analisar o valor deste último índice no caso da falta de interpretabilidade do ITB. Porém, especulando que seu emprego poderia auxiliar na identificação de DAP em artérias mais distais de membros inferiores, e na capacidade de detectar ssociação com a presença de úlcera, optamos por um emprego mais amplo.
Em 22 pacientes pertencentes a qualquer dos grupos, tanto o ITB quanto o índice hálux-braquial foram obtidos. Segundo esperado, não houve homogeneidade entre os resultados destes índices, favorecendo a idéia de que o último poderia estar acrescentando informação para o diagnóstico de DAP; tal hipótese necessita ser investigada em estudos desenhados para este fim. Analisando-se as freqüências de alguma evidência de DAP nesta sub-amostra de 22 pacientes, estratificados segundo a presença de úlcera, um percentual significantemente maior de indivíduos arteriopatas foi detectado no grupo com úlcera. Este achado é coerente com a hipótese do presente estudo, de que indivíduos diabéticos neuropatas com DAP poderiam apresentar risco aumentado de ulcerações em membro inferior. Porém, o delineamento deste estudo
não permite estabelecer relação do tipo causa-feito.

Em conclusão, a DAP está associada com a presença de úlcera (atual ou pregressa) em membros inferiores de indivíduos diabéticos neuropatas. A pesquisa de alteração de fluxo de artérias digitais de membro inferior (no hálux) contribuiu para detectar tal associação. Por outro lado, associação de neuropatia ulcerada a marcadores inflamatórios não foi observada, não sendo possível excluí-la devido às limitações do tamanho da amostra. Estudos prospectivos deverão examinar a sensibilidade do índice hálux-braquial para identificar DAP em indivíduos diabéticos sob risco de ulceração.

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