1. Introdução e conceitos
Atualmente, já no primeiro jubileu do século XXI, vivemos a conjunção de duas crises de saúde: por um lado, há uma epidemia de obesidade alarmante e, por outro, um aumento da expectativa de vida sem precedentes, responsável pelo rápido envelhecimento populacional.
Obesidade é uma doença crônica, recidivante e multifatorial cuja prevalência na população continua aumentando e que pode ser definida como doença crônica e heterogênea caracterizada por excesso de gordura corporal a ponto de causar danos à saúde (2). No Brasil, 27% dos adultos apresentam obesidade e 35% têm sobrepeso, ou seja, 62% dos adultos em nosso país estão acima da faixa de peso saudável.
O envelhecimento populacional é outro fenômeno atual e mundial, particularmente no Brasil onde, de 2010 até 2022, houve um aumento de 56% no número de pessoas com mais de 60 anos: passamos de 21 para 33 milhões de idosos. Associado a este fato marcante, um dado que poderia passar despercebido é que hoje, em pleno 2025, 25% dos idosos no Brasil apresentam obesidade, ou seja, 8 milhões de pessoas (2).
Ora, é fato também que a composição corporal muda com o envelhecimento, pois ocorre um aumento da gordura visceral (intra-abdominal) e – ao mesmo tempo – uma diminuição da massa magra (constituída principalmente por músculos e ossos). Trata-se de um processo lento onde a gordura acumula-se mais nas vísceras internas e em tecidos ectópicos (músculos e nervos), ao invés vez da gordura subcutânea. O rápido acúmulo de gordura intra-abdominal é exacerbado pela inatividade física e alterações hormonais típicas do envelhecimento como redução da capacidade de resposta ao hormônio tireoidiano e resistência à leptina e ao GH (3).
Por exemplo, dos 20 aos 70 anos ocorre uma diminuição da massa magra (osso e músculo) de até 40%, mesmo mantendo-se o peso. Aliás, nesse caso, simultaneamente com a perda óssea e muscular, é comum um aumento de 40% na gordura corporal (abdominal) (3).
Justamente nas duas últimas décadas, com o aumento da expectativa de vida, houve uma explosão de trabalhos científicos, estudos epidemiológicos e mesmo consensos internacionais sobre a perda de massa muscular relacionada à idade ou sarcopenia. O conceito atual de sarcopenia é uma síndrome caracterizada por perda progressiva e difusa da massa e da força muscular, associada ao envelhecimento e que aumenta o risco de incapacidade física, queda de imunidade, má qualidade de vida e até morte (2).
Pois bem, a combinação de obesidade com sarcopenia trouxe o advento de uma nova síndrome: a obesidade sarcopênica (OS). Esta entidade foi definida, pela primeira vez, em 1996 como síndrome caracterizada pela presença simultânea de excesso de tecido adiposo e baixa massa muscular (3). A prevalência de OS entre idosos (> 65 anos) varia conforme a idade e o sexo, de 12,6% a 27,5% em homens e de 33.5% a 48% em mulheres (4).
2. Avaliação e diagnóstico
Atualmente, os dois principais critérios para avaliar a presença de obesidade em adultos (18 a 65 anos) ainda são o IMC (índice de massa corporal) e a circunferência abdominal (CA), devido às suas características de praticidade e rapidez. Porém, para as pessoas com mais de 65 anos, a sensibilidade do IMC e da CA não é boa e um indivíduo pode ter IMC e/ou CA normais, mas tecido adiposo elevado.
Aliás, para os idosos, há uma diferença em relação aos valores limítrofes que definem eutrofismo (normal) e sobrepeso: um IMC normal varia de 22 a 27,4; o sobrepeso varia de 27,5 a 29,9 e a obesidade ocorre quando o IMC é maior ou igual a 30 (2,4).
Devido ao fato de que tanto o IMC como a CA carecerem de precisão, podem não representar a composição corporal (proporção de gordura e massa magra) exata nos idosos. Além disso, a avaliação da composição corporal em indivíduos com obesidade sarcopênica é especialmente desafiadora. Nesse sentido, os esforços da ciência continuam no sentido de aprimorar a acurácia dos métodos atualmente disponíveis no dia a dia para avaliar a composição corporal nos idosos: a análise de bioimpedância elétrica (BIA) e a absorciometria de raios X de dupla energia (DEXA).
Em relação aos métodos para o rastreio da sarcopenia, os questionários validados como o questionário SARC-F tem baixa sensibilidade, mas alta especificidade e pode, portanto, falhar na identificação de pacientes com sarcopenia. A circunferência da panturrilha (CP) é uma alternativa razoável e de fácil execução como indicador de baixa massa muscular.
Na figura 2 abaixo apresentamos um fluxograma em 3 fases: o rastreio inicial, o diagnóstico e o estadiamento, tanto da obesidade quanto da sarcopenia nos idosos.
3. Objetivos e estratégias de tratamento
Diferentemente da obesidade em adultos, o tratamento da OS, mais característica do idoso, está fundamentado em três objetivos principais (2,3):
1. Otimizar a qualidade da perda de peso (não só a quantidade) através de uma abordagem multimodal visando atenuar a perda de massa muscular.
2. Melhorar a qualidade de vida tal como o controle da dor osteoarticular e a melhora da funcionalidade (marcha, equilíbrio e independência funcional);
3. Aumentar a sobrevida livre de incapacidade;
Pois bem, para atingir esses três objetivos, é crucial um plano alimentar individualizado que deverá combinar um balanço calórico negativo (menor ingesta de gorduras e amiláceos) com uma maior ingesta de proteínas de alto valor biológico (peixes, laticínios e, se necessário, suplementos como wey protein, creatina e HMB: hidroximetilbutirato)
Além disso, um plano individualizado composto por exercícios aeróbicos e resistidos é fundamental no processo de emagrecimento das pessoas com obesidade sarcopênica. É claro que esse plano deve ser adaptado à idade e à funcionalidade individuais (tipo, quantidade e duração do exercício).
4. Conclusões
Em conclusão, dado o aumento global da obesidade e o progressivo envelhecimento populacional, obesidade sarcopênica está se tornando um problema de saúde cada vez mais impactante e frequente. Como tal, ela representa um desafio tanto para os sistemas de saúde como para os pesquisadores. Ao mesmo tempo, presentemente abrem-se inúmeras oportunidades para soluções inovadoras que podem melhorar a saúde e a qualidade de vida dos adultos, em especial os idosos.
Sem dúvida, abordar indivíduos com obesidade sarcopênica requer uma visão holística e multidisciplinar, com foco na redução do tecido adiposo (gordura visceral) e na melhora da massa e da função muscular, através de uma tríplice estratégia: 1. farmacoterapia individualizada, 2. mudanças no estilo de vida (plano alimentar e de exercícios) e 3. suplementação proteica conforme a necessidade de cada um (3).
Finalmente, um passo fundamental na elaboração de soluções mais eficazes para essa crescente preocupação clínica é a educação e a motivação dos nossos pacientes, bem como o conhecimento e a conscientização sobre essa síndrome entre os profissionais de saúde e o público em geral. Esse é o propósito deste artigo.
5. Bibliografia
(1) Muscle matters: the effects of medically induced weight loss on skeletal muscle. Lancet Diabetes Endocrinol 2024 Published Online September 9, 2024. https://doi.org/10.1016/ S2213-8587(24)00272-9.
(2) Tratado de Obesidade. Autor Coordenador: Márcio C Mancini – 4a. edição – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2025. Capítulo 34, p. 303-312.
(3) Prado CM, Batsis JA, Donini LM, et al. Sarcopenic obesity in older adults: a clinical overview. Nat Rev Endocrinol. 2024;20(5):261-277.PMID:38321142.
(4) Batsis JA & Villareal DT. Sarcopenic obesity in older adults: etiology, epidemiology and treatment strategies. Nat Rev Endocrinol.2018 31 July. https://doi.org/10.1038/ s41574-018-0062-9.