Uma doença grave, que atinge pelo menos um milhão de brasileiros — a maioria crianças e adolescentes — está sendo negligenciada. A pesquisa inédita “Estudo multicêntrico de diabetes tipo 1 no Brasil”, realizada durante dois anos com 3.591 pacientes de 28 cidades brasileiras, em cinco regiões, mostrou que apenas 15% dos diabéticos têm seu nível de glicemia (a taxa de açúcar no sangue) bem controlado. Isto indica que a maioria corre o risco de complicações graves, como doenças cardiovasculares, falência dos rins, cegueira, amputações, e óbito. E o problema não é a falta de fitas para medir glicemia e insulinas — materiais distribuídos de graça — e sim a pouca conscientização para a doença, cujo índice tem aumentado em todo mundo.
A pesquisa — feita a partir de dados de prontuários e questionários respondidos pelos pacientes — durou de 2008 a 2010, e se trata da maior análise sobre as condições de saúde dos diabéticos tipo 1 no Brasil, e o impacto desta doença autoimune. O levantamento, coordenado pela endocrinologista Marilia de Brito Gomes, ajudará a melhorar a conscientização sobre a doença, prevenir e tratar seus sintomas. No diabetes tipo 1, o próprio organismo ataca e destrói as células beta que produzem o hormônio insulina. Sem esta substância, a glicose não chega às células e elas ficam sem combustível para fabricar energia.
Daí a importância de se fazer o diagnóstico precoce, alerta Marilia. Os pais, professores e pediatras devem estar atentos quando a criança sente necessidade de urinar várias vezes ao dia, fome frequente, sede constante, tem perda de peso, fraqueza, fadiga e irritação.
“O diabetes pode ser controlado, mas o tratamento é complexo e envolve toda a família. Portanto, é preciso seguir à risca a orientação do médico”, afirma Marilia, professora associada da Faculdade de Medicina da Uerj e do Hospital Universitário Pedro Ernesto. “Nossa pesquisa indicou que 42% dos diabéticos, principalmente crianças, tiveram diagnóstico a partir de cetoacidose, ou acidose metabólica, complicação grave que requer internação e pode matar”.
Doença precoce apresenta maior chance de evolução para problemas crônicos
Ainda de acordo com o levantamento — que teve apoio da Fundação Oswaldo Cruz, da Sociedade Brasileira de Diabetes e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro — a maioria dos pacientes, 71,5%, teve o diagnóstico antes dos 15 anos, e cerca de 20% antes dos 5 anos. Isto significa que a doença tem início precoce e, portanto, apresenta uma maior chance de evolução para problemas crônicos, o que implica em maior custo para o Sistema Único de Saúde e a sociedade como um todo, diz a endocrinologista.
“Estamos diagnosticando diabetes tipo 1 numa faixa etária cada vez mais cedo. Há casos de crianças com menos de 2 anos diabéticas”, alerta Marilia. “Não se sabe ainda as causas, mas o excesso de peso e o maior número de substâncias tóxicas no ambiente atacando o pâncreas, a nossa fábrica de insulina, são fatores que contribuem”.
Outro complicador é que, na adolescência, o jovem diabético muitas vezes se descuida e aparecem as complicações, como danos aos rins e aos olhos, além de amputações de membros, diz a médica.
“É alto o número de pacientes que morrem antes dos 50 anos”, reforça a médica.
Marilia comenta ainda que a baixa escolaridade dos pacientes, associada à baixa renda econômica familiar, entre um e cinco salários mínimos, da maioria dos entrevistados (77,4%) é uma barreira no controle adequado do diabetes.
“Cerca de 6% dos diabéticos ainda em idade produtiva estavam desempregados ou licenciados pelo INSS ou aposentados devido aos males da doença”, diz Marília.
Como a maioria dos casos teve início com sintomas como idas constantes ao banheiro para urinar, sentir muita sede e perder peso, Marília, sugere a elaboração de políticas de alerta em unidades de emergência para que realizem testes de glicemia em todos que apresentarem esses sintomas.
“Entre 30% e 65% dos entrevistados não haviam se submetido a um rastreamento das complicações crônicas no ano anterior ao nosso levantamento. E o mais importante: pouquíssimos tinham realizado exames para doença cardiovascular, responsável por até 44% dos índices de mortalidade”, conta a médica.
Outro problema grave no Brasil é o diabetes tipo 2, que atinge de 7 a 9 milhões da população e é causada principalmente pelo excesso de peso e sedentarismo. Do total do custo direto relacionado ao diabetes, 50% são devido a danos crônicos da doença, explica Marília.
“Nossos dados ratificam a necessidade de programas eficazes de educação em saúde no Brasil”, afirma Marília.
Fonte: Pernambuco