A obesidade tem crescido em diversos países, não importa o nível de desenvolvimento. Difícil de explicar o fenômeno apenas pelo tipo de dieta ou mesmo pela genética. Novos estudos tem apontado para um novo fator associado à obesidade: penduricalhos genéticos! Isso mesmo, moléculas que grudam na fita de DNA e podem ser transmitidas da mãe para a criança, ainda no útero. Esse mecanismo pode explicar como as refeições feitas pela mulher grávida podem influenciar no peso do filho, mesmo quando esse se tornar um adulto.
A suspeita de que a dieta materna poderia influenciar o peso dos futuros filhos começou em 1976. Durante a segunda guerra mundial, os alemães cortaram o suprimento alimentar no oeste da Holanda, o que fez com que as mulheres daquela região passassem fome. Pessoas nascidas das mulheres que estavam grávidas e passaram fome naquele período tinham mais chances de se tornar obesas quando adultas. Essa observação foi reproduzida num ambiente controlado de laboratório. Ratas grávidas que tem acesso a pouca comida durante a gestação produzem ninhadas que geram ratos adultos obesos. Uma possível explicação para esse fato parece ser que as mães estariam preparando de forma inconsciente os futuros filhos para crescer num ambiente com pouca comida, aumentando o apetite e capacidade de estocar gordura da ninhada. Mas num ambiente com comida suficiente essas crianças acabam por se tornar indivíduos obesos.
Esse “preparação” durante a gestação pode ser decorrente a um fenômeno conhecido como epigenética. O termo epigenética tem significado diferente dependendo do tipo de pesquisa cientifica. Aqui, epigenética é definida como a capacidade de se transmitir informação hereditária que não seja por alterações no código genético. Isso pode acontecer através de penduricalhos químicos, conhecidos como grupos metil, que se associam à dupla-hélice do DNA e regulam a atividade de certos genes. Em 2005, um grupo da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, mostrou que era possível prevenir a obesidade das ninhadas das ratas magras removendo os grupos metil do DNA. Estudos recentes tentam mostrar que o mesmo mecanismo ocorre em humanos. Nessas pesquisas, foi demonstrado que o nível de metilação do DNA de indivíduos adultos estaria correlacionado com a obesidade. Obviamente, não é possível concluir se essas alterações foram causa ou conseqüência da obesidade.
Para determinar se as mudanças epigenéticas poderiam estimular a obesidade em humanos, pesquisadores ingleses da Universidade de Southampton analisaram a dieta de 78 mulheres grávidas. Os questionários foram validados através da detecção de vestígios de certas comidas em um exame de sangue. Quando os bebês nasceram, o DNA foi extraído do cordão umbilical e a metilação em diversos genes analisadas. Nove anos mais tarde, eles mediram o total de gordura no corpo das crianças. Concluíram que crianças com mais grupos metil associados próximos ao gene RXR-alpha, envolvido com o desenvolvimento de células de gordura e metabolismo, tinham mais chances de serem obesas as nove anos de idade.
O trabalho foi repetido, dessa vez com 239 grávidas e comparando os dados com as crianças aos seis anos de idade (Godfrey e colegas, Diabetes 2011). A conclusão foi a mesma: quando a porcentagem de metilação do gene RXR-alpha subia de 40% para 80%, a porcentagem de gordura corpórea nas crianças pulava de 17% para 21%. Os autores do trabalho suspeitam que a presença dos grupos metil esteja inibindo a ação do gene RXR-alpha, levando à obesidade. Infelizmente, essa estatística não explica tudo. Foram analisados outros genes relacionados ao estoque de gordura e nenhuma relação foi encontrada. Mas o grupo descobriu que a razão das altas taxas de grupos metil no gene RXR-alpha parece estar relacionada com a dieta de baixas calorias durante os primeiros meses de gestação.
Em alguns países, é comum mulheres grávidas seguirem uma dieta de baixas calorias, tipo Atkins. Esse tipo de comportamento pode sinalizar um sinal de fome ao feto, deixando a futura criança com um metabolismo deslocado do mundo “rico em caloria” que vai nascer. Esse tipo de pensamento pode explicar fenômenos de obesidade epidêmica em países como a China, onde os filhos de mães mal-nutridas são hoje adultos obesos. Mesmo assim, ainda não dá pra ter certeza absoluta de que a dieta das mães esteja realmente alterando a epigenética do feto. Pode muito bem ser algum outro fator ambiental ainda desconhecido.
Para mim, a parte mais interessante disso tudo é saber que já temos um marcador epigenético capaz de prever, ao nascer, as chances do indivíduo ser obeso. É mais uma evidência de que o ambiente fetal estaria afetando o desenvolvimento da prole, mesmo anos depois. Não dá mais pra pensar em obesidade como sendo uma questão puramente genética e determinista. Pode-se agora pensar em formas de se alterar essa informação nos primeiros meses de vida da criança, usando, por exemplo, o acido fólico, um micronutriente que altera as modificações epigenéticas
Fonte: Globo – G1