O aprimoramento do sistema de saúde pública em São Paulo não pode ser pensado a curto prazo, afirmam especialistas ouvidos pela Agência Estado. Nesse processo, defendem, é necessário investir em gestão, escolher um modelo de atendimento a ser implantado no médio e longo prazo e ter um planejamento metropolitano para a área. Além dessas questões, um outro problema começa a gerar grande preocupação nos experts do setor: a obesidade cada vez mais crescente da população. Na avaliação do cirurgião Andrey Carlo Sousa Silva, membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica, este é um problema de saúde pública.
Andrey Carlos alerta que dentre todos os tratamentos oferecidos pela rede pública de saúde, o de obesidade tem deficiências crônicas, tanto no que diz respeito ao acesso a cirurgia quanto à difusão de informações para evitar o problema. “O Brasil tem hoje 45% da população acima do peso. Estamos muito próximo dos Estados Unidos, que apresentam índice de 53%. Além disso, a obesidade infantil aumentou em 240% nos últimos oito anos”, destaca.
Para o médico, se medidas urgentes não forem adotadas, o perfil do brasileiro será o de obeso. Dentre as medidas, ele destaca os investimentos em educação. “A sala de aula é o caminho para evitarmos problemas futuros de obesidade e outras patologias decorrentes do aumento excessivo de peso. Ensinar a criança sobre alimentação, práticas esportivas, cuidados básicos da saúde, é garantir um paciente a menos quando na fase adulta”, explica.
Ele adverte, contudo, que se a saúde já estiver comprometida pela obesidade, outro problema há de ser enfrentado: a falta de tratamento na rede pública e de vagas para cirurgias. “Hoje, o paciente espera entre 5 a 7 anos para ser operado. Muitas vezes, morre antes de conseguir ser atendido”, comenta. “A falta de vontade política tem causado muita dor e sofrimento. Recursos existem, porém, o que falta, é um choque de gestão para atender a população obesa”, destaca o especialista.
Outros desafios
Na avaliação do médico e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Marcos Balzi, há dois grandes desafios a serem enfrentados na cidade de São Paulo: insuficiência de recursos e ineficiência dos serviços. “Investe-se pouco em saúde e há desperdício no sistema”, aponta o professor. Na questão dos recursos, ele defende que seja revista a proposta da constituição de oferecer um sistema “integral e universal” de saúde. “O poder público tem que oferecer alternativas através de prioridades. O processo de priorização não está tão claro no sistema de saúde (atualmente). Doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, deviam ser priorizadas nas ações públicas”, afirma. Para ele, é necessário também uma gestão mais eficiente, para “evitar desperdícios” e “agilizar as tomadas de decisão”.
Já o professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Valdemar Pereira de Pinho defende um modelo com a atenção básica à saúde coberta pelo programa Saúde da Família para cada grupo de até 4,5 mil pessoas. Ele defende que os prontos-socorros deveriam ser voltados para emergências e urgências. Pinho afirma, no entanto, que o “gigantismo” de São Paulo e a “região metropolitana”, que envia usuários para os centros municipais, “dificultam o planejamento”. “(Nas cidades menores) há uma estimativa da população e demanda. São Paulo engloba alguns milhões de pessoas a mais, que circulam pela cidade vindos da região metropolitana. Isso é uma grande dificuldade para o planejamento”, afirma o professor. Para ele, as cidades da Grande São Paulo deveriam fazer planos conjuntos para a saúde.
Tanto Balzi quanto Pinheiro concordam que apenas um mandato não é o suficiente para implantar uma rede que atenda todas as necessidades da população. “Não é um ou quatro anos que daria para fazer isso. Mas ter um plano de aumentar gradualmente, ano a ano, de forma contínua seria o mais eficiente”, defende Pinheiro. Balzi alerta para a visão de “curto prazo” que domina o debate. “Uma questão é a visão de curto prazo que o Sistema de Saúde tem. É um sistema complexo, dinâmico e muito criativo. Necessita de planejamento de longo prazo. Não podem ser considerados investimentos de curto prazo, sob risco de criar esqueletos (prédios) sem recheio (equipamentos e médicos)”.
Fonte: Diário do Grande ABC