Já se foi o tempo em que arranhão no joelho, dor de barriga ou mal-estar seguido de gripe eram as principais reclamações vindas das crianças. De acordo com estudos recentes sobre o tema e a observação diária de especialistas da área, algumas doenças consideradas como “coisa de adulto” agora também atingem os pequenos.
De acordo com os profissionais ouvidos pelo Terra, as principais “novidades” nos consultórios médicos são as síndromes metabólicas como hipertensão arterial, diabetes tipo 2, aumento da gordura no sangue, enxaqueca e AVC. Dentre os problemas psicológicos, estão a depressão e ansiedade excessiva. A obesidade também está entre os principais problemas e, segundo o Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, já atinge 30% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos.
Para a Dra. Vera Koch, chefe da unidade de nefrologia do Instituto da Criança do HCFMUSP, a obesidade infantil tem a ver, inclusive, com a melhora da situação socioeconômica do país: “A alimentação melhorou, só que a dieta ainda é muito desregrada, com grande consumo de carboidratos, de produtos industrializados – que são ricos em sal – e de gorduras saturadas, vindas da proteína animal.”
Ela recomenda que os pais não esperem que os sintomas apareçam para procurar ajuda: “A partir da visita regular ao pediatra é possível verificar se o desenvolvimento e o crescimento estão acontecendo da melhor maneira”, ela explica.
Segundo a Dra. Ana de Jesus Cristovão, pediatra da Beneficência Portuguesa de São Paulo, alguns fatores que compõem a vida moderna são responsáveis por essas mudanças. “Acredito que o chamariz comunicativo para os alimentos chamados ‘fast food’, a Internet, a vida nas grandes cidades e a violência urbana, sejam os principais fatores para o aumento dessas doenças em crianças.”
De olho na pressão da criançada
Em novembro de 2010, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo divulgou um estudo realizado pelo Instituto da Criança do HCFMUSP, com cerca de 1,6 mil crianças, que mostrou que bebês com baixo peso podem virar adultos hipertensos. Uma das explicações tem a ver com um ciclo hereditário que pode afetar a vida adulta.
O Instituto frequentemente faz mutirões para medir a pressão arterial de crianças e adolescentes, e os especialistas têm observado que, em média, 30% dos pacientes atendidos apresentam algum quadro de obesidade ou sobrepeso, um dos problemas relacionados à hipertensão.
A Dra. Vera Koch acrescenta que os problemas relacionados ao peso podem, inclusive, começar na barriga da mãe: “Muitas crianças brasileiras tiveram na geração passada um histórico de desnutrição. Quando isso a afeta no útero, o feto entende que precisa armazenar energia para sobreviver. Antigamente, chamávamos isso de ‘metabolismo avarento’, ou seja, o indivíduo que estoca e usa pouco. O fenômeno é visto em todos os países do mundo que saem de uma situação de desnutrição para a fartura.”
Enxaqueca e AVC também acontecem na infância
A Secretaria de Saúde do Estado divulgou, em 2009, dados relacionados à incidência de Acidente Vascular Cerebral (AVC) em crianças. Em 2008, foram registrados 266 casos, com 28 óbitos e, em 2009, foram 177, entre crianças até 14 anos de idade.
Para este tipo de problema, não há prevenção, mas em alguns casos as sequelas são reversíveis, podendo ser tratadas com fisioterapia e psicologia. Na ocorrência do AVC, os pais devem investir em um acompanhamento médico intensivo, pois uma vez que a causa é determinada, a repetição do problema pode ser prevenida.
A Secretaria também alerta sobre a enxaqueca, que vem se mostrando outro problema recorrente. É preciso saber diferenciar uma simples dor de cabeça de um quadro mais sério, e redobrar os cuidados na ocorrência de alterações de humor, vertigens, náuseas, vômitos e dores abdominais. O problema exige medicação adequada e mudanças de hábito, como uma rotina de alimentação regrada, boas noites de sono e cuidados com a exposição ao sol.
Pouca idade, muita preocupação
Os distúrbios psicológicos também já chegaram às cabecinhas das crianças. De acordo com a Dra. Carolina da Costa, psiquiatra do Programa de Ansiedade Infanto-Juvenil do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP, os transtornos de ansiedade e depressão são os dois problemas mais comuns entre crianças e adolescentes.
A especialista associa, como um dos fatores ligados à ansiedade, a rapidez com que se multiplicam notícias sobre tragédias sociais e catástrofes naturais: “As crianças estão demonstrando preocupações mais típicas da idade adulta, além de ficarem muito atentas aos problemas do ambiente em que vivem, como uma separação dos pais, por exemplo.”
Entre os sintomas físicos elencados pela psiquiatra estão dor de barriga constante, dor de cabeça, coração acelerado e dificuldade de respirar.
Já os casos de depressão são caracterizados, de um modo geral, por medos e preocupações excessivas, que merecem atenção redobrada quando acarreta prejuízos à criança: “Existem medos típicos de cada idade, que estão dentro do desenvolvimento normal. Mas é importante observar se isso acarreta perdas, como o medo de ir à escola, de fazer perguntas à professora ou apresentar trabalhos escolares, ou ir a eventos que distancie a criança dos pais, caracterizando assim uma fobia social”, explica.
A criança depressiva apresenta mudanças de humor e tristeza contínua, falta de disposição para brincar, alterações de sono e alimentação, pensamentos ruins e a tendência à autodepreciação e diminuição da autoestima. “São sintomas bem parecidos com os que ocorrem com o adulto, o que difere é a forma como isso é observado. O adulto terá problemas no trabalho, enquanto a criança terá alterações dentro do contexto infantil, brincando menos, apresentando irritabilidade e problemas na escola”, pontua.
A especialista lembra que é preciso observação constante: “Procure saber como é o dia a dia da criança. Se ela apresentar problemas pontuais, é normal, então é preciso estimulá-la a enfrentar porque isso faz parte do desenvolvimento. Mas é preciso verificar a intensidade da angústia.”
Em casos de ansiedade e depressão, muitas vezes a terapia é suficiente e pode funcionar bem. Casos mais graves podem exigir o uso de medicação, sempre associado ao acompanhamento médico.
Recentemente, um estudo realizado pelo University College London’s Institute of Child Health, também mostrou dados preocupantes com relação à saúde mental na infância. A pesquisa mostrou que crianças a partir dos seis anos foram hospitalizadas com sintomas relacionados à anorexia e outros distúrbios alimentares. De acordo com o estudo, para cada 100 mil crianças do Reino Unido, três apresentam algum tipo de distúrbio.
Atenção aos sinais
Segundo a Dra Ana de Jesus Cristovão, pediatra da Beneficência Portuguesa de São Paulo, a observação diária dos filhos pode evidenciar problemas que, diagnosticados a tempo, são facilmente solucionados.
Crianças que reclamam de fraqueza, comem em excesso e não ganham peso, mostram sede constante e fazem xixi muitas vezes ao dia, podem denunciar sinais típicos de diabetes. Já o cansaço excessivo e dor de cabeça podem ser um alerta sobre a pressão arterial e a dosagem do colesterol, triglicerídeos e glicose.
Na teoria, a recomendação para evitar este tipo de problema é unânime: pais persistentes em hábitos saudáveis e acompanhamento médico constante. Na prática, algumas dicas simples podem ser bastante úteis, de acordo com a médica: “Procure atrair a criança fazendo um hambúrger no almoço, com bastante salada e tomate, gelatina com pedaços de frutas, salsicha de frango com legumes cortadinhos com ‘carinhas de animais’. Prefira sucos no lugar de refrigerantes, biscoitos sem recheio e estabeleça apenas um dia para as guloseimas”, recomenda.
A doutora indica a natação como atividade física complementar e mostra que, acima de tudo, o diálogo ainda é o melhor remédio: “Converse com seus filhos, não os exclua dos problemas por achar que a criança ‘não entende’, pois, muitas vezes, a interpretação errada gera conflitos e medos desnecessários”, finaliza.
Pais que identificam em seus filhos sintomas ligados aos transtornos de ansiedade e têm interesse em participar de uma pesquisa do Ambulatório de Ansiedade da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do HC, podem ligar para o número (11) 3069-6978 e solicitar mais informações
Fonte: Saúde – Terra