Governos de países emergentes estão sendo impelidos a adotar medidas para combater o avanço da obesidade, que atingiu níveis alarmantes em economias em rápido crescimento nas últimas três décadas.
Dados inéditos da Organização Mundial de Saúde (OMS) obtidos com exclusividade pela BBC Brasil confirmam que, assim como o rápido crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o sobrepeso e a obesidade dispararam em países como China, Índia, África do Sul, Brasil e México.
Conhecidos no passado por dificuldade em alimentar suas populações, estes países hoje se debatem com problemas de natureza oposta – em um fenômeno que especialistas chamam de “dupla carga”.
“A forma com que calculamos o desenvolvimento econômico é simplesmente uma medida do quanto consumimos – então o quanto mais você consume, mais rico você é… e é claro que isso é ruim para ganho de peso”, disse à BBC Brasil SV Subramanian, professor de Saúde da População e Geografia da Universidade de Harvard.
No mês que vem, líderes mundiais se encontrarão na primeira cúpula de alto nível da ONU sobre doenças não-transmissíveis, que incluem obesidade, e serão exortados a adotar medidas de controle e regulamentação sobre a indústria alimentícia, assim como sistemas para identificar potenciais complicações de saúde em estágio inicial.
Epidemia de obesidade
A prevalência da obesidade aumentou em países emergentes de forma muito mais rápida que a renda, e mais rápida do que em países desenvolvidos, ao longo das três últimas décadas.
Na China, estima-se que 100 milhões de pessoas sejam obesas, comparado a 18 milhões em 2005.
No Brasil a obesidade cresce mais rapidamente entre as crianças. Cerac de 16% dos meninos e 12% das meninas com idades entre 5 e 9 anos são hoje obesas no país, quatro vezes mais do que há 20 anos.
Um em cada sete adultos mexicanos está acima do peso, proporção que fica atrás apenas dos EUA entre as principais economias do mundo.
A África do Sul, por sua vez, tem um índice de obesidade mais alto que o dos EUA – com um PIB que é um oitavo do americano.
“Vimos um aumento dramático nos níveis de obesidade em países emergentes, e este índice parece estar crescendo mais rapidamente e em meio a níveis mais baixos de PIB do que na Europa ou nos EUA há 20 ou 30 anos”, disse Tim Lobstein, da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade (Iaso).
Embora especialistas vejam uma clara relação entre o aumento da obesidade e o crescimento da riqueza, há outros fatores para o crescimento tão rápido.
O primeiro relatório da OMS sobre doenças não-transmissíveis, publicado em 2010, afirma que não apenas a obesidade, mas também outras ‘epidemias’ como diabetes, câncer e doenças cardiorespiratórias e cardiovasculares, estão relacionadas a mudanças da vida contemporânea.
‘Doenças não-transmissíveis são causadas, em grande parte, por fatores de risco comportamentais que são relacionados a transição econômicas, urbanização rápida e estilos de vida típicos do século XXI: consumo de tabaco, dieta insalubre, atividade física insuficiente e consumo abusivo de álcool’, diz o relatório.
Economia da nutrição
No caso de países emergentes, diz Tim Lobstein, a mudança mais importante é a assim chamada ‘transição da nutrição’, de uma dieta com alimentos básicos para uma dieta modernisada, que consiste em alimentos de nível energético muito maior.
“Isso significa menos frutas e verduras, ou menos alimentos básicos como arroz e grãos, e mais gorduras, e açúcar e óleo. Estes vêm particularmente sob a forma de fast-food, refrigerantes”, diz ele.
A demanda por calorias acessíveis e produzidas em massa disparou em países emergentes, particularmente dentro das classes emergentes, que hoje podem gastar mais de sua renda em comida.
Mas o professor Subramanian afirma que a obesidade é um fenômeno que afeta principalmente as classes mais privilegiadas em países de renda baixa e média, e até em economias emergentes.
Em um estudo publicado no American Journal of Clinical Nutrition, sua equipe de pesquisadores das universidades de Harvard e Bristol pesquisaram dados de cerca de 530 mil mulheres adultas de 54 países de renda média e baixa.
Eles afirmam que, apesar de a obesidade ter aumentado na maioria dos países tanto entre os 25% mais ricos quanto entre os 25% mais pobres da população, o Índice de Massa Corporal (IMC) – medida do peso de uma pessoa que leva em conta a sua altura – aumentou mais nos setores mais ricos.
“Apesar do aumento do IMC não estar mais confinado a países de alta renda, o aumento continua concentrado entre pessoas de renda mais alta em países de renda baixa e média”, diz o estudo.
A Índia é um exemplo clássico de país que combina enormes desafios na área de nutrição entre sua população mais pobre, com alguns dos piores efeitos da obesidade sentidos nas classes médias.
Apesar de ter um dos menores índices do mundo – 1% em homens e 2% em mulheres em 2008, de acordo com a OMS – a Índia tem cerca de 50 milhões de pessoas com diabetes, de acordo com a Federação Internacional de Diabetes.
O país fica atrás apenas da China (onde estima-se que 92 milhões de pessoas sofram de diabetes), mas especialistas estimam que os números da Índia sejam bastante subestimados.
Regulamentação coordenada
Tim Lobstein argumenta que o aparente paradoxo está ligado às “políticas de produção e distribuição de alimentos”.
“Hoje em dia (essas políticas) são governadas por forças de mercado, e essas forças não necessariamente promovem a saúde. Elas promoverão ingredientes mais baratos e comida processada para distribuição onde houver mercado”, diz ele.
“As companhias que estão saturadas no mercado em desenvolvimento examinam agora como podem entrar em economias de renda mais baixa e ainda conseguir lucro.”
Quando líderes mundiais se encontrarem por dois dias na cúpula da ONU sobre doenças não-transmissíveis a partir de 19 de setembro, organizações de saúde pressionarão por regulamentações para controlar a quantidade de gordura, açúcar e sal em alimentos processados.
Entidades como a NCD Alliance também pedirão a adoção de medidas para aumentar o nível de atividades físicas, para impedir estilos de vida sedentários.
“Esperamos que a reunião da ONU aumente a visibilidade de doenças não-transmissíveis, ao mostrar que não se trata apenas de um assunto de saúde, mas envolve também a cadeia de produção alimentar”, afirmou uma representante do Ministério da Saúde do Brasil, Deborah Malta, à BBC Brasil. “Precisamos de políticas públicas e regulamentações não apenas para a indústria alimentar, mas também para tabaco, álcool e um número cada vez maior de setores.”
Fonte: Globo – G1