Na infância, Alberto de Jesus Imbiriba Junior, 15, teve que se habituar a uma situação que qualquer criança simplesmente odiaria: não poder comer doces e frituras. Diagnosticado aos 10 anos com diabetes tipo 2, o garoto até hoje luta para controlar a vontade pela necessidade de controlar a doença. “Desde muito cedo meus pais me acostumaram a não comer doçuras, e os lanches e sobremesas sempre foram dietéticos. Como minhas avós já eram diabéticas todos nós sempre tivemos esse cuidado, prevendo o aparecimento. É muito raro de acontecer, mas já comi doce por impulso. No geral sou bem controlado”, conta.
Mas se a enfermidade se resumisse às restrições à dieta, talvez o adolescente a tirasse de letra. Mas diabetes é uma doença crônica, com a qual o paciente deverá conviver durante a vida toda. Ele depende do controle rigoroso das taxas de açúcar no sangue para não desenvolver complicações, como a cegueira e a falência dos rins.
“Sinto muita fome e isso me atrapalha”, lamenta Alberto. Entre outros sintomas, ele enumera os mais constantes. “Sono, moleza, sede, cansaço. Mas o pior é a demora na cicatrização. Já tive machucados que demoraram semanas para cicatrizar”.
Se antes era restrita aos adultos, a doença vem crescendo entre as crianças. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 285 milhões de casos no mundo e estima-se que o número possa dobrar até 2030.
A má alimentação e o estilo de vida sedentário são os principais agravantes. Dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao biênio de 2008 e 2009, indicam que as taxas de obesidade entre meninos e meninas entre 5 e 9 anos cresceram quatro vezes mais nos últimos 10 anos – de 4,1% a 16,6% e 2,4% para 11,8%, respectivamente. Devido a isso as crianças estão convivendo com doenças antes exclusivas dos adultos como hipertensão, colesterol alto e diabetes.
Antes de continuar, um parêntese: existem, grosso modo, dois tipos de diabetes. A doença é caracterizada por um aumento anormal do açúcar ou glicose no sangue, mas no diabetes tipo 1 ela é causada porque há uma falha no sistema de defesa do organismo: destrói as células do pâncreas que produzem insulina, o hormônio que controla os níveis de açúcar no sangue. Já no diabetes tipo 2, a insulina é produzida pelo corpo mas não em quantidade suficiente para controlar a glicose no sangue.
Em geral, explica a médica endocrinologista da criança e do adolescente Lena Stilianidi Garcia, a diabetes tipo 1 se inicia na infância e adolescência e sem causa aparente. “Não se sabe o porquê ainda. Ela é considerada um defeito genético ou uma doença autoimune. Autoimune por quê? O organismo passa a enxergar estruturas do pâncreas como estruturas estranhas e produz anticorpos para eliminá-las do organismo, como se atacasse uma doença. Ela é responsável por 90% dos casos entre as crianças e só é tratada com a aplicação da insulina”, explica a especialista que é membro titular da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Já a diabetes tipo 2 está associada a fatores como o tabagismo, a hipertensão arterial e histórico familiar, mas o agravante para seu crescimento entre os jovens tem sido a má alimentação e ao pouco exercício.
Sedentarismo e má alimentação: fatores de risco
“O consumo excessivo de comida fast food, horas na frente da televisão, videogame e computador. As crianças estão mais sedentárias e comem pior. Isso se reflete diretamente na saúde”, avisa a médica.
Stilianidi cita como causa dos maus hábitos o medo da violência e o cotidiano agitado das grandes cidades. O hábito de brincar na rua tem sido substituído por atividades dentro das casas e apartamentos. Além disso, de acordo com a médica, é mais fácil e barato comprar alimentos processados do que cozinhar uma boa e saudável refeição caseira.
“É difícil controlar o que o meu filho come. Ele não faz dieta, não se priva de nada. O resultado é que ele costuma a passar mal”, relata a funcionária pública Fabíola Bestene, mãe de Luis Fernando, 14, portador de diabetes tipo 1.
O garoto chega a aplicar até seis vezes por dia insulina. Ele já se disciplinou a comer e a injetar o remédio, mas o tratamento não tem garantias. No último Natal, Luis passou mal e teve que ir às pressas para o pronto-socorro tomar soro. “Ser diabético é difícil para uma criança, um adolescente. Existem restrições, existe a dor de ter que tomar injeção e esse sentimento de que é diferente”, desabafa a mãe.
“A terapia deve fazer parte do tratamento. A criança tem que entender e aceitar que tem uma doença crônica, que deve se cuidar, mas nada disso a torna diferente”, confirma a doutora Lena Stilianidi Garcia.
No caso do adolescente Alberto de Jesus Imbiriba Junior, aceitar a condição foi uma forma de se firmar para o mundo. “Não acho que seja ruim ter a doença. Na verdade não vejo muita diferença na minha vida. Se for me preocupar com o que vão achar ou se vou passar mal, vou me privar de tudo e me trancar em casa”.
ACEITAR E TRATAR
Aceitar a doença passa também por oferecer tratamento para o diabético. E os tratamentos oferecidos pelo governo ou são insuficientes ou ignoram as necessidades do doente, avalia o coordenador da Associação dos Diabéticos do Estado do Pará (Adepa), Mário José Henriques Bueres, 37.
“O medicamento cedido pelo Sistema Único de Saúde [SUS] é apenas o da insulina aplicada por injeção. Atualmente, existem outras formas de aplicar o medicamento, como canetas e bombas de insulina, mais precisas, indolores e menos sujeitas a erro humano. Mas o governo só as disponibiliza se os pais ou responsáveis entrarem na justiça para garantir esse direito”, denuncia.
Portador da doença desde os 19 anos, ele é pai de um adolescente diabético e teve que partir para uma briga judicial para garantir a bomba de insulina que o filho usa. “Eles [o Ministério da Saúde] acham que o bem-estar de uma criança é supérfluo. Melhores medicamentos e tratamentos fazem com que esses jovens tenham uma vida normal”.
Outra crítica é o despreparo da rede pública de ensino para abrigar de forma segura o diabético. É na escola que as crianças passam grande parte do dia, e muitas vezes a rede não está preparada para prestar socorro em uma crise de hipoglicemia ou adaptar-se a uma rotina que inclui injetar um remédio e sair da sala frequentemente para comer e urinar.
Isso faz com que muitos pais sofram para acompanhar a saúde do filho, deixando o triste dilema de abdicar do emprego para acompanhar a saúde do filho.
O último avanço nesse sentido foi a lei municipal nº 8.892, que estabelece uma dieta diferenciada para alunos da rede municipal de ensino de Belém portadores de diabetes. De acordo com a lei, ficará a cargo das escolas adotarem e adequarem o cardápio.
ENTENDA
O QUE É A DOENÇA?
A diabetes, ou diabetes mellitus, é uma doença multifatorial que afeta a metabolização dos carboidratos, lipídios e proteínas. Ela se manifesta pelo aumento da glicose no sangue. Por isso a ideia errada de que o diabético não pode comer açúcar. A alimentação deles é restrita em relação a carboidratos, carnes gordurosas.
SINTOMAS?
Os sintomas entre a diabetes tipo 1 e tipo 2 são diferentes. Os sintomas do tipo 1 são vontade de urinar diversas vezes, fome frequente, sede constante e perda de peso. Na do tipo 2 os principais sintomas são as infecções frequentes, dificuldade na cicatrização de feridas, formigamento nos pés e furunculose.
COMO PREVENIR?
Não há como prevenir a diabetes tipo 1. Como não se sabe suas causas, não se sabe o que fazer. Mas valem as dicas para prevenção do diabetes tipo 2. O exercício físico é fundamental para a criança, afirma a Lena Stilianidi Garcia. É recomendado meia hora de exercícios contínuos todos os dias, cinco vezes por semana, em média. Caminhada, natação, futebol, subir escadas, vale tudo. “É muito importante que a família participe dessa atividade, que a criança associe esse momento a algo prazeroso”, recomenda.
Outro fator de suma importância é a alimentação: o prato da criança deve ser colorido. Feijão com arroz, carne, frango ou peixe estão liberados, só que devem ser grelhados. Saladas e verduras completam a refeição. É recomendado também o consumo de três a cinco frutas por dia.
Fonte: Diário do Pará